O que é Transparência? Parte 1

por Silvia Pereira

Parte 1 – A prestação de contas econômico-financeira, ambiental e social é um dever moral das empresas e um direito do cidadão.

Além de atributo de um material através do qual se vê a mesma cor, volume, densidade e textura de outro objeto como se visto a olho nu, um dos significados da palavra transparente é “que deixa perceber um sentido oculto; evidente, claro (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa); outro, no idioma inglês é “easily understood, recognized or detected; obvious ou ainda “frank” (Webster’s New World Dictionary).

O significado do princípio “transparência” no Código de Melhores Práticas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC- 4⁰ Edição[1] inclui em sua definição aspectos de ordem emocional como “desejos”, relacional como “confiança”, moral como obrigatoriedade e voluntarismo, de difícil mensuração como intangíveis, entre outros.

No estudo Transparency, Value Creation and Financial Crisis, (ANA C. SILVA, 2013), os autores argumentam que um elemento importante da governança corporativa é a qualidade da informação financeira, uma medida de transparência. No estudo, o indicador utilizado para qualidade é o Earnings Management (EM) – definido como “a manipulação das informações contábeis para obscurecer o valor da firma para investidores externos” que, predizem os autores, é inversamente relacionado à qualidade da informação financeira. Por meio desta aproximação constroem a base de dados para relacionar transparência, geração de valor e crise financeira.

Ainda em outro artigo, encontramos a seguinte definição de transparência: “Transparency is a quality of corporate social responsibility communication that enhances the relationship between the investors and the company” (FERNANDEZ-FEIJOO, ROMERO e RUIZ, 2013).

O significado é indeterminado

Observamos com apenas estes exemplos que as palavras, transparente e transparência, adquirem significados variados, restritos ou ampliados conforme o contexto em que são usados corroborando com a perspectiva da sociolinguística interacional que considera que “o significado não é uma propriedade imanente à palavra, pois é construído através de um processo complexo de sinais linguísticos e não linguísticos ancorados em um contexto” ou “contexto é uma forma de práxis interacionalmente constituída, é simultaneamente conhecimento e situação” (Martins, 2002). e, por isso, a análise dos fenômenos linguísticos é necessariamente empírica.

Isso vale para qualquer palavra (significante). O seu significado só pode ser determinado na situação em que usado levando em consideração o significado dado pelos interlocutores bem como outras informações de contexto. Mesmo assim, não haverá garantia de um único significado. Por esse motivo, o uso da palavra “transparência” precisa ser acompanhado de, pelo menos, o significado que o falante propõe.

Nem sempre isso é possível, mas no âmbito da comunicação corporativa e especificamente, no conjunto de documentos que constituem o corporate reporting, é necessário adotar uma abordagem mais pragmática da transparência. Mas antes vamos esclarecer ao que estamos nos referindo ao falar de comunicação corporativa e de corporate reporting.

A comunicação corporativa é o conjunto de políticas, práticas, mecanismos e ações, adotados por uma empresa de qualquer porte para se comunicar com seus stakeholders (funcionários, sociedade, cliente, governo, fornecedores, parceiros, investidores) bem como entidades de classe, organismos e serviços que agem como intermediários na comunicação com estes stakeholders como é o caso da imprensa.

O corporate reporting é o conjunto de documentos obrigatórios e voluntários por meio dos quais a companhia faz prestação de contas de suas atividades e do seu desempenho para estes públicos.

Nos países anglos-saxões, prevalece o sistema de governança corporativa outsider que é caracterizado por empresas cuja propriedade do capital é pulverizada (SILVEIRA, 2010), isto é, nenhum acionista tem quantidade de ações suficientes para determinar a direção dos votos em assembleias de acionistas. O maior acionista institucional da Microsoft é o Vaguard Group que não chega a ter 4% do capital total da empresa. Seu fundador, Bill Gates, tem cerca de 3% das ações. Na GE, os 10 maiores acionistas têm 19% do seu capital. Os proprietários dessas empresas são pessoas comuns que detêm participações diretas ou intermediadas por fundos de pensão ou fundos mútuos.

Nesses países o mercado de capitais é a grande fonte de financiamento para a expansão dos negócios das empresas e os investidores contam com condições propícias de proteção legal para fazerem valer seus direitos. Por isso mesmo, o corporate reporting tem forte tradição. Além dos documentos exigidos pelo órgão regulador de mercado de capitais – a Securities and Exchange Commission (SEC) – como as demonstrações financeiras auditadas, anuais e trimestrais, existem outros que fornecem bastante detalhes dos negócios da companhia como os 10-K (20-F para emissores estrangeiros) e muitos outros relatórios voluntários entres os quais os mais famosos são os relatórios de sustentabilidade.

Em países como o Brasil, predomina o sistema de governança corporativa insider no qual se identifica claramente um acionista (ou grupo de acionistas amarrados por meio de acordos) que detém a maioria das ações com direito a voto (SILVEIRA, 2010) podendo certamente determinar o sentido das votações em assembleia de acionistas. Tipicamente as empresas brasileiras são controladas por indivíduos, famílias, outras instituições (nacionais ou estrangeiras) ou o Estado, e frequentemente, vemos os mesmo players como detentores participando do capital de várias empresas formando o chamado “capitalismo de laços” (LAZZARINI, 2011).

O corporate reporting não tem tradição entre empresas brasileiras

Aqui o mercado de capitais não exerce papel preponderante no financiamento das empresas até porque investidores não gozam de condições de proteção legal favoráveis ao exercício de seus direitos, entre outros fatores. Ao contrário dos EUA, que tem cerca de 4.000 empresas com capital aberto, aqui são menos do que 500 e até a primeira década do século atual, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, não exigia a divulgação do mesmo nível de informações sobre o negócio da companhia contido em um 10-K. Foi só em 2010, com a Instrução 480 que a CVM introduziu o Formulário de Referência e aproximou as empresas de capital aberto ao padrão de divulgação americano. Porém, como número de companhias abertas no Brasil é reduzido, vivemos com informações precárias sobre os negócios das nossas empresas[2]. E embora muitas empresas brasileiras façam bonitos relatórios de sustentabilidade, estes frequentemente, são meras pecas de marketing corporativo e passam longe de fornecerem informações básicas para o entendimento do negócio.

Em um país no qual os recursos do Estado, do trabalhador, do contribuinte são fartamente usados pelo setor privado no financiamento dos seus negócios, pequenos ou grandes, por meio de incentivos ou isenções fiscais, empréstimos do BNDES e toda sorte de subsídios, a prestação de contas por meio da divulgação de informações econômico-financeiras, ambientais e sociais é um dever moral de prestação de contas ao cidadão, mas deveria ser uma contrapartida exigida pelo Estado para que o cidadão tivesse como verificar a eficácia do uso de seu dinheiro.

Referências

ANA C. SILVA, M. C. G. A. C. Transparency, Value Creation, and Financial Crises. Journal of Applied Corporate Finance, 25, n. 1, Winter 2013.

FERNANDEZ-FEIJOO, B.; ROMERO, S.; RUIZ, S. Effect of Stakeholders’ Pressure on Transparency of Sustainability Reports within the GRI Framework. Journal of Business Ethics, Online, 122, n. 2014, 24 maio 2013. 53–63.

LAZZARINI, S. G. Capitalismo de Laços. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2011.

MARTINS, A. C. A indeterminhação do significado nos estudos sociopragmáticos: divergências teórico metodológicos. DELTA, 18, 2002.

SILVEIRA, A. D. M. D. Governança Corporativa no Brasil e no Mundo. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda., 2010.

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[1]Mais do que a obrigação de informar é o desejo de disponibilizar para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse e não apenas aquelas impostas por disposições de leis ou regulamentos. A adequada transparência resulta em um clima de confiança, tanto internamente quanto nas relações da empresa com terceiros. Não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, contemplado também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e que conduzem à criação de valor.

[2] A Lei das Sociedades Anônimas (Lei das S.As.) exige a publicação anual do Relatório de Administração e das Demonstrações Financeiras de S.As. de capital fechado, mas qualquer um que já tentou usar estes documentos percebe sua precariedade. A Lei 11.638 exigiu, desde 2008 que empresas com receitas acima de R$300 milhões e ativo total superior a R$240 milhões, fizessem e auditassem demonstrações financeiras, mas não exigiu divulgação pública dessas informações.

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