O que é Transparência? Parte 2

por Silvia Pereira

Parte 2 – Princípios para ser transparente – uma abordagem pragmática da transparência

Como intenções não são visíveis o desejo de transparência precisa ser demonstrado por meio de ações que possam ser acompanhadas e até medidas. Para que não seja mais um discurso desassociado da prática, proponho uma abordagem pragmática orientada por alguns princípios. São eles: periodicidade, comparabilidade, relevância, tempestividade, acessibilidade, simultaneidade, interatividade e padrão de divulgação (disclosure standard).

Periodicidade – Uma prática transparente requer recorrência da informação. De nada adianta fazer uma divulgação hoje e passar vários anos sem divulgar nada. Então é necessário haver regularidade na divulgação para que se crie um hábito de recebimento e interação. Por exemplo, as demonstrações financeiras são divulgadas uma vez por ano, ou semestralmente ou trimestralmente na mesma época do ano. É assim com tudo: um índice de inflação é divulgado sempre em uma data.

Uma vez criado e mantido o hábito desenvolve-se confiança, pois os interagentes saberão que há previsibilidade da informação. Tão importante quanto regularidade é avisar se ela não puder ser cumprida. Não avisar, significa deixar os outros no limbo e por si só sinalizará algo. Se a empresa não prevenir, abrirá espaço para que os outros preencham o vazio informacional com sua imaginação que pode ir longe. Não deixe de ser previsível.

Tempestividade – A informação precisa ser divulgada no tempo em que é relevante, ou seja, se ocorre algum tipo de incidente é preciso divulgar quando ocorre e não 3 ou 6 meses depois. Por exemplo, as demonstrações financeiras precisam ser divulgadas tão logo estiverem prontas. Se são as demonstrações anuais, 3 meses após o encerramento do exercício ainda é aceitável, mas 6 meses depois, não.

Acontecimentos impactam a vida das pessoas e pode deixa-las inseguras. Se a empresa não comunica, há espaço para a formação de qualquer espécie de percepções que podem, inclusive, ser exploradas de forma mal-intencionada por concorrentes ou outros que tiverem alguma desavença ou quiserem chantagear. Não deixe esse vazio. Gerencie o timing da sua comunicação e não esqueça que a mentira tem perna curta. Fale a verdade.

Acessibilidade – A divulgação precisa ser feita de forma que qualquer um tenha acesso. E acesso aqui tem dois sentidos: 1) estar fácil para que qualquer um possa busca-la. Nos dias de hoje isso significa disponibilizar no site. Mas pode se dar mais amplitude a informação usando mídias eletrônicas e a imprensa. Nada melhor para estancar boatarias do que ter a sua versão dos fatos, com as suas informações acessíveis a qualquer um; 2) sem infantilizar ou prejudicar a qualidade técnica da informação, é importante escrever de forma que um ser comum possa entender. Evite as linguagens herméticas das especialidades. Busque mostrar o impacto do evento para quem o lê. Esta é a melhor defesa para estancar a ampliação da desinformação. Se criar uma reputação de franqueza e confiabilidade, a sua informação terá mais credibilidade do que a de outras fontes.

Relevância – Se atenha ao que é relevante para os públicos interessados. Ao ser direto sobre o impacto que sua divulgação terá na vida do seu stakeholder você ataca a questão frontalmente. Não entremeia a comunicação com informações que não são relevantes ou para “encher linguiça” ou para confundir más notícias com boas criando ambiguidade. Se a noticia dada for ruim, esteja preparado para mostrar alternativas de curso que servirão para remediar, atenuar ou evitar o acontecimento. Em se tratando de aspectos econômico-financeiros siga os critérios de relevância (materiality) estabelecidos por entidades com responsabilidade de estabelecer padrões como é o caso do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e dê bons motivos pelos quais não os segue, se for o caso.

Interatividade – Tem muita gente por aí que diz que comunicação é uma via de mão-dupla. Quando ouço isso, pergunto, haveria comunicação mão-única? Se não é interativo – falar e ouvir, ouvir e falar – não é comunicação. A questão central da comunicação é o significado. Mas vimos na Parte 1 que o significado é indeterminado, ou situacional. Sem criar oportunidade daqueles a quem se dirigiu se manifestem sobre o que disse como saberá qual interpretação – ou que significado – deram ao que foi dito? Para isso é necessário criar oportunidades de interação para que a empresa possa ouvir como suas mensagens foram recebidas, quais percepções e significados foram formados. É preciso que seus interlocutores também tenham a oportunidade de ouvir como a empresa interpretou a reação deles. A comunicação é um processo e para haver interatividade será necessário estruturar bons canais formais e informais de comunicação.

Comparabilidade – Os dados os as informações que a empresa divulga precisam ser comparáveis ao longo do tempo. Portanto, antes de divulga-los é preciso ter certeza que são consistentes e que poderão ser reproduzidos por períodos mais longos. Por exemplo, um dado de participação de mercado não só precisa estar respaldado pelo o que ele quer dizer – participação no valor das vendas, nas quantidades físicas, em uma região ou segmento, etc. – como também precisa ser identicamente reproduzido ao longo do tempo. Em se tratando de explicações sobre acontecimentos, é preciso ter em mente que deverão ser coerentes com o que se disse ontem e se dirá amanhã.

Padrão de divulgação (ou disclosure standard) – Este princípio é o mais complexo e também o mais importante. O termo disclosure não tem tradução literal para o português. Alguns, como a CVM, por exemplo, interpretam como “transparência” eu prefiro usar “divulgação”. Refere-se ao conjunto de informações que uma companhia divulga publicamente. Este padrão inclui tópicos que devem ser abordados, o nível de detalhamento pelo qual serão tratados e como serão apresentados. As demonstrações financeiras, por exemplo, precisam ser apresentadas conforme um determinado padrão. O Formulário de Referência, exigido pela CVM para companhias abertas constitui outro padrão de divulgação.

O processo de elaboração do padrão de divulgação da companhia é trabalhoso, pois envolve levar em consideração não só o que a legislação exige, mas também o que é prática no mercado e as exigências de seus públicos de interesse. As empresas que são obrigadas a seguir padrões de divulgação, como as companhias abertas, até podem não diferir tanto em relação a ele, mas a qualidade das informações pode variar bastante.

Simultaneidade – A simultaneidade da divulgação é um princípio desejável. Em companhias abertas é mandatório, pois quer se evitar a possibilidade de detentores de informações privilegiadas ganharem em detrimento daqueles que são outsiders.  Em companhias de capital fechado e limitadas, entidades de governo e outras organizações, não sujeitas a esse controle, ainda o considero boa prática, pois ser o último a saber pode gerar sentimentos de rejeição desnecessários prejudicando o relacionamento com a parte interessada.

Referências

ANA C. SILVA, M. C. G. A. C. Transparency, Value Creation, and Financial Crises. Journal of Applied Corporate Finance, 25, n. 1, Winter 2013.

FERNANDEZ-FEIJOO, B.; ROMERO, S.; RUIZ, S. Effect of Stakeholders’ Pressure on Transparency of Sustainability Reports within the GRI Framework. Journal of Business Ethics, Online, 122, n. 2014, 24 maio 2013. 53–63.

LAZZARINI, S. G. Capitalismo de Laços. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2011.

MARTINS, A. C. A indeterminhação do significado nos estudos sociopragmáticos: divergências teórico metodológicos. DELTA, 18, 2002.

SILVEIRA, A. D. M. D. Governança Corporativa no Brasil e no Mundo. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda., 2010.

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