Relatório Integrado – Prenúncio à Eliminação dos “Silos” Corporativos

por Silvia Pereira

Dialogamos com Aristóteles, mas nossa memória só comporta parte pequena do conhecimento.

Desde que o homem inventou a escrita e pode armazenar informações fora da sua cabeça, o conhecimento humano não para de crescer. O letramento ganhou força com Lutero defendendo que todos deviam ler a bíblia, com o desenvolvimento dos estados-nação na Europa Ocidental, que valorizaram as línguas nacionais, e com a invenção de Gutenberg, que permitiu a difusão de informações de maneira não presencial. No entanto, todos esses acontecimentos seriam vãos se não fosse pela visão das jovens democracias capitalistas que perceberam que investir no capital humano e na produção de conhecimento é bom para os negócios e, por isso, educaram as massas.

Por causa desses movimentos, dialogamos com Aristóteles que viveu há mais de dois mil e quinhentos anos, mas ao contrário dele, não somos capazes de dominar disciplinas tão variadas como filosofia, linguística, medicina e política. Somos obrigados a nos especializar.  Nossas memórias só dão conta de uma pequena parte deste vasto conhecimento.

O problema não é a especialização. É sua mistura com instintos, emoções humanas e comportamento de grupos sociais. Damos vazão ao territorialismo, a disputas semelhantes àquelas de leões pela fêmea; a medo, a necessidade de pertencer e ser protegido, a ambições e disputas políticas. A lista é interminável.

Compartilhar a intersubjetividade continua um desafio.

Além disso, apesar de todo nosso progresso e sofisticação, não ultrapassamos uma limitação básica – a que o homem não se comunica por telepatia. Dependemos da interpretação de inúmeros sons, imagens, expressões e gestos, quase sempre organizados em sistemas simbólicos de significação. E mesmo com o avanço de tecnologias para a comunicação, que permitem grande armazenamento de informações e comunicação não presencial, compartilhar a intersubjetividade continua um desafio.

Empresas possuem “silos” que disputam entre si, mas é uma só.

Mistura tudo no caldeirão que é uma empresa e nos deparamos com as incredulidades que vemos diariamente. Diretores técnicos acham que estratégia é função da área de planejamento. Outros acham que entender de números é coisas dos financeiros e estes, por sua vez, só parecem enxergar o que tem cifras na frente. Os publicitários ficam embevecidos com suas lindas propagandas que não vendem. Os vendedores vendem a mãe para cumprir suas metas e ganhar suas comissões e a turma operacional que se vire para entregá-la. A comunicação – sabe a comunicação – costuma ficar desmembrada: a com funcionários, subordinada ao RH; a com clientes, no marketing; ou aquela que tem o pessoal que fica pensando se a cor está bonita, se o vídeo está bom e se a companhia aparece -ou desaparece- dos jornais, fica em qualquer lugar.

Poucos se preocupam em ter uma visão sistêmica do negócio. Que lhes digam os profissionais de relações com investidores. Você sabe. São aqueles que vivem no glamour. Só falam com diretores e vivem com a mala na mão em roadshows no circuito Elizabeth Arden (Nova Iorque, Londres, Paris, Milão…) para convencer investidores que a companhia tem uma estratégia coesa, bem implementada e que o resultado aparecerá nos números no próximo trimestre. Quando não aparece, o que é frequente, eles vão com a maior cara lavada criar uma explicação de porque não veio, mas virá!

Restritos aos nossos campos de conhecimento, não podemos esquecer que o homem é um só: psicológico, sociológico, biológico, econômico inserido em um meio ambiente no qual tem que se sustentar. Afetamos e somos afetados por ele. Como o homem, a empresa também é uma só.

Economia estuda como as sociedades se sustentam e finanças é sua ferramenta de quantificação.

O econômico, ou a economia, é o campo de conhecimento que estuda como as sociedades humanas se sustentam. Finanças é outro campo do conhecimento diferente, mas que está proximamente ligado ao econômico porque finanças, suas teorias, técnicas e modelos são instrumentos do econômico para quantificar e lhe atribuir valor. Em última instância, poderíamos dizer que finanças é a ferramenta usada para comunicar o econômico da mesma forma que a escala Celsius serve para comunicar a temperatura. Totalmente arbitrária, ao dividir o intervalo entre a temperatura na qual a água gela e ferve em cem unidades, temos um instrumento prático para compartilhar a temperatura. Ainda que o significado de 0° seja diferente para cada indivíduo, porque a sensação térmica é individual, todos saberão como se preparar para aquela informação.

Em uma empresa, finanças é a área que controla os dinheiros que por ela transitam. A contabilidade nada mais é do que uma linguagem por meio da qual se registra os dinheiros pagos, recebidos, devidos e aplicados. É claro que para saber o que ela expressa é necessário conhece-la, mas o importante é saber que existe para registrar e classificar estes dinheiros em categorias, comparáveis de forma a expressar o desempenho econômico da companhia.

Todas as atividades de uma empresa acabam sendo expressas por cifras, ainda que de mensuração difícil ou indireta. O valor de uma marca, por exemplo, tem que se refletir financeiramente por meio de um custo de aquisição de cliente mais baixo. Programas de fidelização devem resultar em um churn inferior, evitando o custo de aquisição. Melhorar processos de ativação de clientes faz com que vendas virem receitas mais rápido ou reduzem custos de ativação.

O difícil nas empresas é ter claro qual indicador deve ser utilizado para medir o desempenho e como ele aparece nos números capturados pela contabilidade. Também é frequente não saber como as ações das pessoas impactam tais números. Isso é um problema. Quase todas as empresas, inclusive as grandes, sofisticadas e maduras, liberam números díspares para o mesmo indicador.

Informações inconsistentes revelam ausência de integração.

Foi a difusão de relatórios de sustentabilidade (voluntários) que trouxe a tona as discrepâncias. Nenhum deles, até aqueles que recebem o A+ da G.R.I. (Global Reporting Initiative – padrão de relatório mais usado), deixa sua empresa mal na foto. Elas são tão bacanas que parece até que passaram a ser sustentáveis só porque fizeram relatório de sustentabilidade. O problema é que ao comparar dados deste relatório com o de outros, verificou-se situações esdrúxulas. O exemplo mais citado é o de empresas que dizem que seus funcionários são sua razão de existência enquanto observa-se na nota explicativa das demonstrações financeiras um passivo trabalhista monstro.

O Relatório Integrado é resposta a discrepâncias informacionais.

Mas os dias para estas incoerências começaram a ser contados. E o que vem por aí promete chacoalhar as bases. Há alguns anos formou-se o International Integrated Reporting Council –IIRC (http://www.theiirc.org/), uma coalizão global de reguladores, investidores, companhias, criadores de padrão, profissionais de ciências contábeis e ONGs, que compartilham da visão de que comunicar a criação de valor pelos negócios deve ser o próximo passo na evolução de relatórios corporativos.

A primeira minuta das diretrizes do que passou a ser chamado de processo <IR> e Relatório Integrado foi submetida à consulta pública em 16 de abril deste ano. Embora o produto imediato dela sejam diretrizes para um relatório conciso que conta ao investidor como aquela empresa cria valor no curto, médio e longo prazos, o intuito é fomentar integração no processo de produção dessas informações, impedindo que uma estória seja contada em um relatório e outra noutro. A consequência mais profunda é a integração plena entre estratégia, gestão, resultado e divulgação. Isso é uma revolução que promete mexer nos “silos” formados por departamentos, corporativismo, funções e diretorias. Evidentemente quanto antes as empresas começarem a se preparar, menos sofrerão adiante, pois, hoje é voluntário, mas no futuro, Relatórios Integrados serão obrigação.

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