Conselheiros devem Falar Pessoalmente com Investidores? Existe um Processo Formal?

por Silvia Pereira

A resposta não é consensual: alguns dizem sim, outros não. Minha opinião é que conselheiros devem falar com investidores sim, desde que por meio de um processo formal. Para entender a problemática é necessário falar de informação privilegiada, gatekeeping, fala institucional e processos formais de comunicação corporativa em companhias de capital aberto porque é nelas que ocorre maior complexidade[1].

Companhias abertas têm sua divulgação de informações[2] controlada pela legislação e regulação de mercado de capitais.

No Brasil, elas são obrigadas a utilizar três canais de divulgação: publicação em diário oficial e jornal de grande circulação, quando se trata de exigência da Lei das SAs.; publicação no site eletrônico da CVM e no website da companhia, quando exigência do órgão regulador.[3] Além disso, fazem divulgações por meio de documentos específicos. Por exemplo, quando se trata de uma informação eventual, utiliza-se o “Fato Relevante”, quando periódica, o Formulário de Referência e os ITRs.

O regramento dos canais de divulgação visa preservar o conceito de “Fair Disclosure”, traduzida por “divulgação não seletiva”.

No mercado americano ela é regulada pela famosa Reg FD[4] de 2000. Esta regra surgiu depois que detectaram a prática de wisper numbers por meio dos quais analistas sell-side[5] se utilizavam do relacionamento próximo com as companhias para obterem “dicas” sobre o resultado trimestral prestes a ser divulgado e os passavam para seus clientes buy-side[6] preferidos. De maneira que alguns obtinham informações por antecipação e podiam vender/comprar antes do resto do mercado ter acesso ao resultado.

A divulgação não seletiva de informações é um dos conceitos fundamentais e mais valorizados no mercado de capitais.

Por esse motivo, a função “Relações com Investidores (RI)” exerce papel de gatekeeping, pois guarda a fronteira entre o momento em que a informação deixa o âmbito privilegiado e passa para o público. Gatekeeping é o nome que se dá para atividades que envolvem controle de acesso e são bem mais comuns do que imaginamos. Desde o porteiro do seu condomínio, literalmente, o gatekeeper, aos departamentos de recrutamento e seleção, call centers e ouvidorias, práticas de gatekeeping estão embrenhadas na prática social. Vista ou não como tal, a função RI é a gatekeeper de quem e como têm acesso aos altos executivos da companhia. Pensar de outra forma é ilusão.

Outra utopia que deve ser abandonada é a de que o “natural” é mais “verdadeiro” e, portanto, mais crível.

Mas o que é natural? Chamamos de naturais condicionamentos culturais como se originassem no instinto, mas como somos aculturados desde o nascimento é difícil separar instinto de cultura. E se a faculdade de emitir os sons da fala é capacidade nata, a língua, como disse Saussure[7], é um fato social.

Na fala institucional prevalecem os papéis profissionais.

Os linguistas distinguem entre a conversa comum, a que temos com familiares, amigos e coloquialmente, que têm regras, mas também mais liberdade de expressão, da fala institucional que sofre restrições. Conforme Drew & Heritage[8], a conversa institucional se distingue da comum porque nela as identidades profissionais ou institucionais dos participantes adquirem relevância. Nelas os interagentes se orientam em consonância com suas identidades, atribuições e papéis sociais que lhes são pertinentes, e constituem, de forma colaborativa, as características institucionais da fala. Para estes autores a fala institucional se caracteriza por: 1) orientação pró-objetivo, 2) existência de restrições e 3) condições especiais de inferência. Portanto, é ilusão achar que em um contexto institucional alguém será espontâneo, por mais que assim pareça.

Uma companhia profissional poderá permitir um conselheiro falar com um investidor seguindo um processo formal

O mesmo a ser seguido por qualquer executivo que fale com investidores pela empresa. A formalização consiste em:

  • Criar um comitê de divulgação formado por profissionais com perspectivas diferentes da empresas (RH, Legal, Relações com Investidores, Controladoria, Marketing e Vendas, etc) e com capacidade de tomar decisões. Este avaliará o teor e timing das divulgações bem como desenvolverá o discurso estratégico da companhia. Em instituições complexas é importante que este comitê esteja ou tenha acesso ao conselho.
  • As diretrizes e políticas de divulgação e de porta-vozes devem ser formalizadas e acessíveis.
  • Os profissionais que lidam diariamente com o mercado (CFO, RI) e demais porta-vozes devem se ater ao discurso aprovado pelo comitê de divulgação.
  • Contatos de investidores com a empresa devem ser sempre feitos por intermédio da área de Relações com Investidores, tal como contatos com jornalistas serão mediados por Relações com a Imprensa.
  • Conselheiros e/ou executivos que participarão de reuniões com investidores devem ser preparados, inclusive com mídia training, recebendo roteiro de perguntas e respostas. Isso não quer dizer que o conselheiro/executivo será um robô, mas preparar respostas para possíveis perguntas é sempre bom para unificar o discurso, para elaborar explicações para temas sensíveis, e para pensar em follow-up questions por antecipação. Reduz as surpresas que sempre ocorrerão.
  • Todas as reuniões presenciais ou não, devem ser acompanhadas por um profissional de RI que anotará as perguntas e respostas e se certificará que nenhuma informação privilegiada foi inadvertidamente divulgada. Se isso acontecer, terá que tomar providências para divulgar para todo o mercado tempestivamente.
  • O conselheiro/executivo deverá falar na reunião privada com investidores rigorosamente o mesmo que falaria em uma reunião pública.
  • Em hipótese nenhuma o conselheiro/executivo deve falar informalmente com o investidor. Recomendo não fornecer email nem celular.

Aí você pergunta: ao pedir para falar com conselheiros o investidor não quer justamente se livrar do RI, CFO e CEO e capturar a “privilegiada” visão estratégica do conselheiro? Sim, acredito que, sim. Mas visão privilegiada em relação ao resto do mercado é algo que ele não pode ter em uma empresa de capital aberto. Portanto, o acesso pode ser privado, mas só, e somente só, para ouvir o que já é público.

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[1] Veja a dissertação de Mestrado de Silvia Maura Rodrigues Pereira “Lidando com Jogos Comunicativos Complexos em Relações com Investidores: uma análise da sessão de perguntas e respostas em teleconferências de resultados de companhias abertas (http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0710563_09_pretextual.pdf)

[2] Informações relevantes, isto é, que podem impactar a avaliação econômico financeira do investimento.

[3] Lei 6.404/76 (Lei das S.A.s);Instruções CVM 358 e 480; Ofício Circular/CVM/SEP/ N°001/2010

[4] http://www.sec.gov/answers/regfd.htm

[5] Analistas de investimento de trabalham para corretoras recomendado a compra/venda de papeis.

[6] Analistas de investimento que trabalham para investidores institucionais (fundos de pensão, mútuos, hedge funds etc.)

[7] Saussure, Ferdinand de, “Curso de Linguística Geral”, Cultrix (2006)

[8] Drew, P.; Heritage, J. Analysing Talk at Work: na introduction. In: Drew, P; Heritage, J (Ed.) Talk at Work: Interaction in institutional settings., Cambridge University Press (1992)

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