Um Olhar à Frente do seu Tempo

por Ciro Mendonça

“Onde está a sabedoria que se perdeu no saber? Onde está o saber que se perdeu na informação?”

T.S. Eliot

O romeno Nicholas Georgescu-Roegen, matemático e estatístico de formação, iniciou-se em economia com Joseph Schumpeter no período de 1934-1936, quando esteve em Harvard. Após ter sido Ministro das Finanças de seu país até 1948, teve que pedir asilo político aos Estados Unidos, onde lecionou na Universidade de Vanderbilt, no Tennessee e foi orientador de alunos que se tornaram famosos, dentre eles, Dionísio Carneiro, um dos fundadores da escola de economia da PUC-Rio e Muhammad Yunus, fundador do Banco Grameen de Bangladesh e ganhador do Prêmio Nobel da Paz no ano de 2006.

Em seu livro o Banqueiro dos Pobres, Yunus lembra Georgescu dizendo “graças a ele compreendi que não havia necessidade de fórmulas, que o essencial era compreender o conceito…Aprendi, igualmente, que as coisas nunca são tão complicadas quanto se imagina. É nossa arrogância que muitas vezes nos leva a procurar respostas complexas para problemas simples”.

Após ter sido chamado por Paul Samuelson – economista neokeynesianista do MIT- de “professor dos professores” e “economista dos economistas” ao prefaciar seu livro-coletânea Economia Analítica de 1966, Georgescu foi, por influência dele, banido da comunidade dos economistas uma década depois, por haver se embrenhado na obscura Ecologia, disciplina até hoje considerada por muitos economistas como sendo tão estranha e suspeita como a quiromancia.

Segundo Hugo Penteado, economista chefe do Santander Asset Management, “foi uma pena um grande personagem como ele ter passado despercebido na Academia e eu não ter sequer ouvido falar de seu nome enquanto estive na faculdade entre os anos de 1987-1997”.

A crítica de Georgescu à representação convencional do processo produtivo através do Modelo do Fluxo Circular (Figura1) gerou seu anátema desta comunidade. Sua grande contribuição, e também maior heresia, foi interpretar – em contraposição à visão neoclássica – os processos produtivos como um sistema aberto, tendo como inputs/outputs (energia, matéria prima, resíduos) os fluxos bio-geo-físicos da natureza (Figura 2), na qual a economia, necessariamente está incluída, levando-se em consideração os princípios da Termodinâmica, no caso específico, a Lei da Entropia.

Entropia vale lembrar, significa desordem. Quanto mais baixa a entropia de uma fonte, mais alta é a qualidade da energia por ela gerada. O melhor exemplo é a energia gerada pelo sol, de baixíssima entropia. Assim, toda vez que queimamos um pedaço de madeira ou carvão, estamos liberando a energia do sol que a planta armazenou em suas células através do processo de fotossíntese.

Com base no exemplo da entropia do sol, podemos resumir a Lei da Entropia como segue: “todas as formas de energia são gradualmente transformadas em calor e o calor torna-se tão dissipado no final que ele não pode mais ser reaproveitado pelo homem”.

Georgescu mostrou que a complexidade de macrossistemas biológicos ou sociais não pode ser compreendida com base numa epistemologia mecanicista. A Mecânica não distingue o passado do futuro, e não leva em conta as mudanças qualitativas e irreversíveis. A lei da Física que diferencia o passado do futuro e mostra a importância das mudanças qualitativas e irreversíveis no universo é a Lei da Entropia (Prigogine, 1996 apud Veiga).

Libertar-se do paradigma mecanicista pressupõe o abandono da visão de uma economia isolada da natureza, e passa pela adoção de uma nova visão onde a economia é parte integrante de um ecossistema vivo e atuante. Na visão metafórica de Georgescu, “o meio ambiente acessível para todos os seres vivos na Terra é como se fosse uma ampulheta que, infelizmente, não pode ser virada de cima para baixo, pois toda a matéria e energia existente na parte de cima da ampulheta transforma-se em nada quando desce para baixo”.

Para Hugo Penteado, “a interpretação de Georgescu sobre os processos econômicos através da Termodinâmica é um marco para o pensamento econômico e para o surgimento da Economia Ecológica e Evolucionária e esse marco foi estranhamente ignorado, embora jamais refutado. Sempre que uma proposição teórica apresenta uma posição contrária à corrente dominante, surge imediatamente uma disputa ferocíssima e, se a proposição é fraca ou mal fundamentada, ela é terrivelmente desacreditada. A reformulação teórica proposta por Georgescu é impossível de ser refutada e os economecanicistas optaram apenas por ignorá-la, perdendo uma oportunidade única de desenvolver a teoria econômica mais de acordo com a realidade”.

Agora que as evidências revelam que tocamos os limites do crescimento na Terra, multiplicam-se os sinais de que se aproxima a reabilitação de Georgescu (1906-1994) um dos mais geniais pensadores do século passado.

Recentemente num artigo sobre o controle do uso de energia, Martin Wolf (2007), colunista do Financial Times afirmou o seguinte: “A economia neoclássica analisava o crescimento econômico em capital, mão de obra e progresso técnico. Mas hoje creio que seria mais esclarecedor conceber os principais propulsores da economia como energia e ideias. Instituições e incentivos dão a estrutura básica por meio da qual o desenvolvimento e a aplicação de conhecimento útil transforma a luz solar fossilizada, da qual dependemos, na corrente de bens e serviços que apreciamos.

Concluindo, nada mais justo e natural que agora façamos, ainda que post-mortem, o resgate das ideias de Nicholas Georgescu-Roegen porquanto que, somente aos gênios é dado o privilégio de enxergar além dos limites de seu horizonte temporal.

  FIGURA 1 – Modelo do Fluxo Circular da Renda e do Produto

Um Olhar à Frente de seu Tempo 1

   FIGURA 2 – Sistema Aberto proposto por Georgescu

Um Olhar à Frente do seu Tempo 2

Referências

YUNUS, Muhammad. O Banqueiro dos Pobres 1. ed. São Paulo: Ática, 2006

PENTEADO, Hugo. Ecoeconomia, Uma Nova Abordagem 1. Ed. São Paulo: Lazuli, 2003

CHECHIN, Andrei D. ; VEIGA, José E. “A Economia Ecológica e Evolucionária de Georgescu-Roegen”. In: Revista de Economia Política, Julho-Setembro 2010

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