por Ciro Mendonça
“A verdadeira história da consciência começa com a primeira mentira de cada pessoa”
Joseph Brodsky
Introdução
Quando nos propomos a analisar os meandros da sustentabilidade vamos inexoravelmente nos deparar com as múltiplas vertentes ou dimensões nas quais ela se desdobra: ambiental, social, econômica e institucional.
A dimensão institucional, a despeito de sua enorme importância, é pouco lembrada pelos ambientalistas, entretanto, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, lhe confere o merecido destaque em seu substancioso trabalho “Indicadores de Desenvolvimento Sustentável – Brasil 2012”.
Tentaremos realçar o valor das instituições de maneira geral, exercitando sua importância como esteio da sustentabilidade, seja nas corporações, seja na gestão da coisa pública, independentemente de ocorrer na esfera municipal, estadual, ou nacional.
Conceituação
As instituições compreendem um conjunto de normas previsíveis e acumuladas pela experiência ao longo do tempo, visando orientar a conduta de seus membros diante da expectativa da sociedade e das organizações.
Sobre o valor das instituições e sua influência nos custos das transações, o economista Douglass North (apud Pastore, 2002) – Prêmio Nobel de 1992 – observou nos anos 80: “A liberdade, a igualdade e a democracia só sobrevivem com base no poder controlado. A função principal das instituições é ajustar os limites da igualdade aos limites da liberdade. Liberdade e igualdade são preservadas como bens comuns na razão direta da eficiência das instituições”.
Acervo Institucional, Reputação e Valor de Mercado
O valor aparentemente abstrato do acervo institucional é frequentemente reconhecido e concretamente traduzido pelos mercados em diversas situações, tanto no que se refere aos Estados quanto às Corporações.
Recentemente, os jornais noticiaram o grande afluxo de investidores internacionais assustados com a atual crise financeira global, comprando Títulos do Tesouro do Reino Unido cuja rentabilidade, diante de tamanha demanda, retrocedeu aos níveis praticados no Século XVIII. É o capital, animal arisco por natureza, buscando o refúgio seguro de um Estado que prima em preservar suas instituições seculares. O Reino Unido, um estado moderno que liderou a Revolução Industrial e desfruta de invejável reputação no cenário global, paradoxalmente apresenta ao mundo o cetro e a coroa da monarquia, símbolos incontestes de seu culto ao ritualismo institucional.
Da mesma forma, no mundo corporativo, a Bolsa de Valores de São Paulo-Bovespa, chancela preços até 20 vezes maiores que o valor patrimonial das ações de certas empresas que se destacam pelo elevado padrão de Governança Corporativa que praticam. São exemplos, dentre outras, a Natura, Souza Cruz, Ambev e Totvs.
Dimensão Institucional da Sustentabilidade
O historiador Sergio Buarque de Holanda (1984) em seu clássico “Raízes do Brasil” ao descrever as principais características do Homem Cordial – contribuição brasileira à civilização – adverte que “o Estado não é uma ampliação do círculo familiar. A verdade, bem outra, é que pertencem a ordens diferentes em essência. Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar é que nasce o Estado… Há nesse fato um triunfo do geral sobre o particular, do intelectual sobre o material, do abstrato sobre o corpóreo”.
Ainda segundo o autor “Para o funcionário patrimonial, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular… A escolha dos homens… faz-se de acordo com a confiança pessoal e muito menos de acordo com suas capacidades próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático”.
Diante de um vácuo institucional, o cenário descrito acima pode ser literalmente rebatido para as corporações, caso suas atividades não estejam suficientemente guarnecidas por um conjunto de regras e princípios identificados como práticas de Governança Corporativa.
Governança Corporativa é a face empresarial da Sustentabilidade. Trata-se de moderna técnica de administração que estabeleceu o divórcio entre a propriedade e a gestão e, no caso do Brasil, principalmente, pode representar um poderoso antídoto à nossa inclinação cordial histórica – originada na esfera do íntimo, do familiar, do privado – para a prática do patrimonialismo, seja na esfera da administração privada ou, mais grave ainda, da administração pública.
Na Bovespa, o nível mais alto na classificação das Governanças Corporativas denomina-se Novo Mercado. Este segmento tem por objetivo atrair as companhias abertas dispostas a fornecer maiores informações ao mercado e aos seus acionistas a respeito de seus negócios e que se comprometam a adotar práticas diferenciadas de administração, transparência e proteção aos acionistas minoritários. As companhias que ingressam no Novo Mercado submetem-se a determinadas regras mais rígidas, obrigando-se, por exemplo, a:
- Emitir apenas ações ordinárias;
- Manter, no mínimo, 25% de ações em circulação do capital da Companhia;
- Detalhar e incluir informações adicionais nas informações trimestrais; e
- Disponibilizar as demonstrações financeiras anuais no idioma inglês e com base em princípios de contabilidade internacionalmente aceitos.
Dimensão Institucional da Sustentabilidade na Esfera Pública
O Trabalho do IBGE – IDS 2012 considera a dimensão institucional no âmbito de Estado e o faz através de nove indicadores que dizem respeito à capacidade de organização e esforços institucionais despendidos por governos e pela sociedade na execução das mudanças requeridas para uma efetiva implementação do desenvolvimento sustentável.
Os referidos indicadores estão grupados em dois grandes blocos. O primeiro bloco é representado por quatro indicadores que se propõem a monitorar esforços de gestão para construir e refinar um Quadro Institucional que viabilize a presença de diversos atores sociais e do Estado em um arco de atuação que vai desde Organizações da Sociedade Civil até os Fóruns Globais. O segundo bloco é representado por cinco indicadores que se propõem a aferir a Capacidade Institucional traduzida por investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), em infraestrutura de acesso a telecomunicações, avanços relacionados às etapas da Agenda 21 Local e às articulações interinstitucionais dos municípios.
- Quadro Institucional
– Ratificação de Acordos Globais: Expresso pelo número de acordos internacionais relativos à proteção do meio ambiente que foram ratificados pelo governo brasileiro junto à comunidade internacional nos órgãos de governança global.
– Conselhos Municipais de Meio Ambiente: Proporção de municípios dotados de Conselhos Municipais de Meio Ambiente em atividade em relação ao número total de municípios.
– Comitês de Bacias Hidrográficas: Relação entre o número de municípios que participam de Comitês de Bacias Hidrográficas e o número total de municípios do Brasil, das Grandes Regiões ou das Unidades da Federação.
– Organizações da Sociedade Civil: Apresenta o número de fundações privadas e associações sem fins lucrativos em uma determinada população.
- Capacidade Institucional
– Gastos com Pesquisa e Desenvolvimento (P&D): Expressa os investimentos realizados em P&D pelo setor empresarial e pelos governos estadual e federal relacionadas ao Produto Interno Bruto (PIB).
– Acesso aos Serviços de Telefonia: Relação entre o número total de linhas fixas e móveis e a população total.
– Acesso a Internet: Proporção de domicílios com acesso a internet no País.
– Agenda 21 Local: Proporção da população residente em municípios com alguma etapa da Agenda 21 local implantada, em relação à população total residente segundo as unidades territoriais consideradas (Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação).
– Articulações Interinstitucionais dos Municípios: Nível de articulação interinstitucional dos municípios brasileiros através de consórcio público intermunicipal, com o estado, com o Governo Federal ou via convênios de parceria com o setor privado.
Conclusão
A sustentabilidade, independentemente do universo em que seja analisada, deve estar necessariamente ancorada em sua dimensão institucional. Ela representa um valor intangível cuja natureza abstrata muitas vezes escapa ao olhar de observadores menos atentos.
Isso não impede, entretanto, que muitos de seus indícios se apresentem mais claramente em determinadas situações, ou, ao contrário, simplesmente inexistam.
Há muitos exemplos no mundo corporativo. Por isso, devemos desconfiar, sempre, de empresas que, embora adotem com frequência o discurso politicamente correto da sustentabilidade, não redigiram, ainda, o Regimento Interno de seus Conselhos de Administração ou Fiscal, não tenham aprovado seu Código de Ética e Atos Normativos explicitando claramente as competências das decisões empresariais bem como criado os diversos Comitês de Controle (Auditoria, Administração de Riscos, Estratégico), tudo isso, visto como instrumentos basilares para a boa prática da Governança Corporativa.
Referências
MARANHÃO, Jorge. O valor das Instituições. Disponível em: http://www.avozdocidadao.com.br/detailAgendaCidadania.asp?ID=3392&pagina=6. Consultado em: 14/09/2012.
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil 17ª Ed. Rio de Janeiro, 1984. Editora: José Olympio
Instituto Brasileiro de Geografia e estatística – IBGEI. ndicadores de Desenvolvimento Sustentável Brasil 2012
PASTORE, José. “O papel das instituições no desenvolvimento”. In: Revista de Economia e Sociologia Rural, vol.40 n.3, Brasília, 2002. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032002000300001. Consultado em 14/09/2012.