Governança Corporativa nas Estatais e a Cultura Brasileira

por Silvia Pereira

Ao ler o Jornal o Globo em 13 de maio de 2016, a notícia “Pente-fino nas estatais”[i] chamou atenção. Nela as repórteres afirmam que Michel Temer (presidente interino) pediu a equipe para ‘passar um pente-fino’ nas estatais, fazendo uma “devassa nos contratos” e impondo “gestão mais bem avaliada pelo mercado”. Em seguida, dizem “Isso não significa que as estatais não continuarão aparelhadas. Se, antes seu comando era dividido entre PT, PMDB e PP, com a saída dos petistas, os políticos dos dois últimos partidos continuarão a fatiar as empresas.”

No final de 2015, três eventos importantes avançaram na questão da governança de empresas estatais. O primeiro foi a 5⁰Edição do OECD Guidelines of State-Owned Enterprises, os dois outros, específicos a nós, foram a primeira edição do Caderno de Boas Práticas de Governança para Sociedades de Economia Mista do IBGC e o Programa Destaque em Governança de Estatais da BMF/Bovespa. Os dois primeiros contem diretrizes de melhores práticas que endereçam aspectos críticos de governança em estatais, enquanto o terceiro certifica empresas pelas práticas objetivas que se comprometem adotar.

A governança corporativa de empresas estatais não é assunto trivial para o Brasil, pois sociedades de economia mista têm “participação robusta no valor de capitalização das companhias listadas, na negociação diária de ações na Bolsa e na maciça participação de investidores de varejo em suas bases acionárias”[ii]. Adicionalmente, atuam em setores de infraestrutura, fundamentais para a economia brasileira.

Um terceiro ponto, quase nunca lembrado, é que o capital original investido nestas empresas foi obtido, na ocasião de sua fundação, direta ou indiretamente, pela arrecadação de impostos, isto é com o dinheiro do contribuinte. Se a má gestão destas empresas resultar na necessidade de nova capitalização, os recursos aportados para que o Estado (União ou Estados) mantenha o controle, também virá do bolso dos contribuintes, ou seja, do nosso trabalho, comprometendo nossa renda no presente e no futuro.

Por estes motivos a qualidade da governança corporativa em estatais é crítica. Além de todos os problemas de governança que toda empresa está sujeita, as estatais gozam de alguns a mais. Conforme o IBGC[iii], “o maior desafio das Sociedades de Economia Mista (SEM), é conciliar o cumprimento de seu mandato estatal com seus objetivos empresariais”. Se por um lado possuem metas sociais e políticas públicas a perseguir, por outro precisam ter viabilidade econômico-financeira e proporcionar retorno de mercado aos seus acionistas. Outro é o aparelhamento político-partidário: quadros executivos escolhidos por critérios não técnicos e que não são, necessariamente, os que melhor atendem às necessidades da empresa, mas que são leais a uma agenda político-partidária.

Para prepara-la para enfrentar estes riscos, recomenda-se que em seu objeto social esteja claro qual o interesse coletivo que lhe cabe perseguir protegendo-a da “interferência de objetivos casuísticos da política econômica do governo vigente”[iv]. Além disso, deve-se segregar a função propriedade das demais exercidas pelo Estado e explicitar qual órgão da administração pública terá responsabilidade pelo exercício dos direitos de propriedade. Esta recomendação evita que a companhia fique sujeita à interferência de diferentes órgãos e instâncias da administração pública, impossibilitando a identificação do responsável pela tomada de decisão, ou seja quem é ‘accountable”.

Como em qualquer empresa, o acionista elege Conselheiros de Administração em assembleia, e este, por sua vez conduz a tomada de decisão estratégica, sobre riscos, estrutura de capital, escolha, monitoramento e sucessão do diretor-presidente/diretoria. Observa-se que a influência do Estado como proprietário deveria se dar por meio do voto. O Conselho de Administração eleito, por sua vez, deve ser composto por membros que apresentem competências técnicas e comportamentais previamente discutidas e estipuladas bem como independência e autonomia para serem diligentes e leais à companhia, e não ao grupo de acionistas que os elegeram.

Observamos pela notícia que, nem as jornalistas, nem o que dizem dos integrantes do novo governo, parecem estar sensibilizados por melhores práticas de governança. Tampouco, os leitores devem se espantar ou se indignar com tais notícias, caso contrário, as repórteres já incluiriam na matéria, referências e indagações relacionadas a tais práticas.

Concluo, portanto, que a cultura média brasileira desconhece questões de governança e não fica indignada com o aparelhamento político-partidário por parte de governos. Isso é má notícia. Pior ainda é que é difícil mudar a cultura. A boa notícia é que cultura pode mudar. E não poderia haver momento mais oportuno para mudar já que a manchete “Novo fôlego à privatização”[v] de 15/5/16 parece indicar que há interesse em aumentar a quantidade de empresas controladas pelo Estado com o capital aberto.

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[i] Jornal O Globo 13 de maio de 2016 “Pente-fino nas estatais” de Gabriela Valente, Geralda Doca, Martha Beck, Glauce Cavalcanti, Luciane Carneiro – Caderno Economia
[ii] Programa Destaque em Governança de Estatais – BMFBovespa –pagina 2
[iii] Caderno de Boas Práticas de Governança Corporativa para Sociedades de Economia Mista, IBGC 2015
[iv] (idem)
[v] Jornal O Globo, 15 de maio de 2016 “Novo Fôlego à Privatização” Geralda Doca – Caderno Economia

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